Gestação Literária

O que eu faço nos anos de gestação literária?

Reúno documentos; visito lugares e traço mapas; tomo nota da planta de prédios, ou talvez de um navio, como no caso de A ilha do dia anterior; e faço esboço dos rostos dos personagens. Para O nome da rosa, fiz retratos de todos os monges sobre os quais escrevia. Passo  esses anos preparatórios numa espécie de castelo encantado — ou, se preferirem, num estado de recolhimento artístico. Ninguém sabe o que estou a fazer, nem os membros da minha família. Dou a impressão de estar a fazer muitas coisas diferentes, mas estou sempre focado em capturar ideias,imagens e palavras para minha história. Escrevendo sobre a Idade Média, se vejo um carro a passar na rua e fico talvez impressionado com a sua cor, registo a experiência no meu caderno de anotações ou simplesmente na mente, e essa cor, mais tarde, desempenhará  um papel na descrição, por exemplo, de uma miniatura.

Umberto Eco em Confissões de um jovem romancista

O fogo e o livro por vir

Os livros são perigosos: ateiam-nos fogo. Temíveis: por isso, são atirados ao fogo. Há uma relação íntima entre o livro, o fogo e as cinzas. Como a consciência de que o livro da nossa vida nos pode queimar. De que somos livro a ser escrito. Como um mapa aberto à viagem. A fazer-se e a desfazer-se.

De um monte de palavras ou imagens, dessa matéria, formar-se-ão outros livros possíveis, ainda por vir. Ou a reler. Desconhecidos. A biblioteca interminável de Babel. Tarefas infinitas, chamou-lhes Husserl, porque não se limitam ao tempo de vida de um indivíduo e são criação comunitária. O livro, a arte, o pensamento, a ciência. Vêm de longe e dirigem-se para longe.

Ao virar a página, no infinito obscuro da origem, dá-se uma explosão de luz que é o começo.

fogo