Voz

Em tempos como estes, de usura, há algo de inquietante e de escandaloso no mistério gratuito da poesia. Por que continuam os homens a escrever poesia? E por que continuam outros homens, desrazoavelmente, a escutá-la?

A poesia não tem respostas (às vezes, pobre dela, nem perguntas…), não oferece consolo, não promete coisa nenhuma. É apenas um fio de voz desprovido e solitário, vindo de lugares antiquíssimos dentro dos homens e persistindo obstinadamente no meio da vozearia do comércio e da gritaria dos media.

Que haja quem continue à escuta dessa longínqua voz pode significar que talvez haja esperança e que talvez, afinal, não sejamos inteiramente miseráveis.

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Manuel António Pina