Escrever

Escrever é traduzir. Mesmo quando estivermos a utilizar a nossa própria língua. Transportamos o que vemos e o que sentimos para um código convencional de signos, a escrita, e deixamos às circunstâncias e aos acasos da comunicação a responsabilidade de fazer chegar à inteligência do leitor, não tanto a integridade da experiência que nos propusemos transmitir, mas uma sombra ao menos do que no fundo do nosso espírito sabemos bem ser intraduzível, por exemplo, a emoção pura de um encontro, o deslumbramento de uma descoberta, esse instante fugaz do silêncio anterior à palavra que vai ficar na memória como o rasto de um sonho que o tempo não apagará por completo.

José  Saramago