Clássico é a obra que tem dimensão universal : consegue atravessar gerações, fronteiras e nacionalidades sem perder as suas características.
Renato Rocha
Clássico é a obra que tem dimensão universal : consegue atravessar gerações, fronteiras e nacionalidades sem perder as suas características.
Renato Rocha
O livro compõe-se de sete histórias, algumas das quais com personagens partilhadas. Contém frases admiráveis, de profunda intensidade e expressão narrativa.
Aborda temáticas frequentes neste autor (Milan Kundera), em proporções variáveis em cada uma delas, sendo de salientar :
1 – a memória : ” O passado está cheio de vida e o seu rosto irrita, revolta, fere, a ponto de querermos destruí-lo ou voltar a pintá-lo.”
2 – a política : “ Para liquidar os povos, começa-se por lhes tirar a memória. Destroem-se-lhes os livros, a cultura, a história. E outra pessoa qualquer escreve-lhes outros livros, dá-lhes outra cultura e inventa-lhes outra história. Em seguida, o povo começa lentamente a esquecer o que é e o que era. O mundo à sua volta esquece ainda mais depressa.”
” O problema do poder é o mesmo por toda a parte, a leste e a oeste. Não devemos procurar substituir um tipo de poder por outro, devemos negar o próprio princípio do poder e negá-lo em toda a parte.”
3 – a relação homem-mulher : ” O romance é o fruto de uma ilusão humana. A ilusão de que conseguimos compreender os outros. Mas que sabemos nós uns dos outros? Tudo quanto conseguimos fazer é apresentarmos um relatório sobre nós mesmos. Cada qual apresenta um relatório sobre si. O resto não passa de um abismo de poder. Tudo o resto é mentira.”
“ O olhar do homem foi já muitas vezes descrito. Pousa friamente sobre a mulher, ao que parece, como se a medisse, a avaliasse, a escolhesse, por outras palavras: como se a transformasse numa coisa. O que nem sempre sabe é que a mulher não fica desarmada por esse olhar. Se é transformada numa coisa, ela observa, pois, o homem com o olhar de uma coisa. É como se o martelo tivesse de repente olhos e observasse fixamente o ferreiro que se serve dele para espetar um prego. O ferreiro vê o olhar maldoso do martelo, perde a segurança e dá uma martelada no polegar.(…) A ferramenta sabe exactamente como deve ser manejada, enquanto aquele que a maneja só aproximadamente o pode saber”.
4 – o sexo : “Ao desejo sexual masculino, votado aos instantes fugazes da erecção, portanto fatalmente ligado à violência, à aniquilação, ao desaparecimento, a autora opõe exaltando-o como seu contrário, o prazer feminino, doce, omnipresente e contínuo”.
mas também outras, como :
5 – a escrita : ” O homem, pelo facto de escrever livros, transforma-se em universo e o que é próprio de um universo é precisamente ser único. A existência de outro universo ameaça-o na sua própria essência.”
“Qualquer homem, sem excepção, traz em si um escritor virtual,(…) porque cada um sofre com a ideia de desaparecer num universo indiferente, sem ser ouvido nem visto, e por essa razão quer, enquanto pode, transformar-se no seu próprio universo de palavras.”
6 – a fronteira : ” Somos todos prisioneiros de uma concepção pré-estabelecida do que é importante e do que o não é, fixamos sobre o que é importante olhares ansiosos, enquanto, furtivamente, nas nossas costas, o insignificante conduz a sua guerrilha, que acabará por alterar subrepticiamente o mundo e atacar-nos de surpresa.”
” Bastava tão pouco, tão infinitamente pouco, para se encontrar do outro lado da fronteira, para além do qual mais nada tinha sentido : o amor, as convicções, a fé, a história. Todo o mistério da vida humana está contido no facto de ela se desenrolar na proximidade imediata, e até no contacto directo, dessa fronteira. Não está separada dela por quilómetros, mas apenas por 1 milímetro.”
Este livro foi considerado pelo The Observer como um dos 100 melhores livros de sempre.