Função

É triste olhar para os livros e pensar que são quase todos iguais, quando há uma infinidade de possibilidades. Isso é de uma pobreza e também reflecte um cansaço.

Os leitores estão cansados, as pessoas trabalham muito, têm vidas duras e há uma literatura para cansados, para pessoas que vêm do trabalho e que querem ler um livro como quem quer ter uma massagem ao final do dia. Mas a função da arte e da literatura não é descansar. É acordar, perturbar, reflectir. Não deveríamos ver arte ou ler livros quando estamos cansados. A literatura e a arte exigem muito de nós.

Gonçalo M. Tavares

Conselho a jovens escritores

Especialmente quando se é jovem, deve-se ler o maior número possível de livros. Os excelentes, os não tão excelentes e até aqueles insignificantes, que não têm (nenhum) problema. O importante é ler tudo o que estiver ao alcance. Fazer passar pelo corpo o máximo de narrativas possíveis. Encontrar textos maravilhosos e outros de menor qualidade. Passar por essas experiências é o mais importante. Corresponde a criar a bagagem indispensável para um romancista. Recomendo focar nessa etapa enquanto ainda se tem uma visão boa e tempo de sobra. Escrever também deve ser importante, mas tenho a impressão de que deve ser deixado para mais tarde, que não vai haver nenhum problema.

Em seguida — provavelmente antes de começar a escrever de facto — acho que é importante adquirir o hábito de observar detalhadamente os acontecimentos e fenómenos à sua frente. Olhar com cuidado e atenção as pessoas, enfim, tudo à volta. E reflectir sobre tudo. Disse “reflectir”, mas não há necessidade de julgar as coisas, avaliar se estão correctas ou não. As conclusões devem ser deixadas pendentes, e adiadas pelo maior tempo possível. O importante não é chegar a uma conclusão, mas manter na mente a imagem nítida das coisas do modo que são, da forma mais próxima possível da realidade, para que sirvam de material.

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Haruki Murakami   em   Romancista como vocação